segunda-feira, 14 de março de 2011

Múltiplas Escolhas

Uma pausa nos posts sobre a viagem novamente...

Estou lendo o livro Múltipla Escolha da Lya Luft, ela tem uma coluna na Revista Veja e sou grande fã de suas palavras.


Transcrevo abaixo um dos textos deste livro (p. 69-71) pois, ao lê-lo, identifiquei muito do que aconteceu no feriado do carnaval.



A incomunicabilidade humana é um fato. Em parte pela nossa natural dificuldade, em parte porque “a alma do outro é uma floresta escura”, como disse o poeta Rainer Maria Rilke, meu autor de cabeceira. Diante dela hesitamos, entre fascínio, medo e desejo: a ferramenta para abrir esse território é a palavra, com seu parceiro, o silêncio. Não sabemos bem o que fazer com nenhum dos dois, assombrados pelo mito da uma união ideal, uma comunicação total que nos salvasse do isolamento (ou do vazio).

Dizem que a boa comunicação é tudo, mas sem querer produzimos mal-entendidos e mágoas involuntários. A realidade é que nos comunicamos pouco, e mal, e somos assim. Essa é uma condição natural dos humanos, como nascer com algum defeito físico do qual não temos culpa, mas perturba.

Além disso, há no outro uma reserva de mistério, um desejo de privacidade, que se defende de intrusões, por mais ansiedade que isso nos cause.

As almas não vestem uniforme como nos antigos internatos ou nas festas modernas: somos individualidades entre as quais aqui e ali se constrói uma ponte, mas também se erguem paredes, que podem ser de vidro ou pedra bruta.

Saber se comunicar, no trabalho, no cotidiano e na vida pessoal, é uma dádiva. Abre portas e janelas, promove generosidade e acolhimento. Mas é raro. Em geral somos enrolados, somos tímidos, guardamos rancor, ou somos arrogantes – outra face da insegurança e do medo.

De saída olhamos o outro com suspeita: será que ele me entende? Será que fala a verdade? Será que posso baixar a guarda?

O mito da palavra perfeita que produziria o diálogo absoluto salvando-nos do isolamento e impedindo mal-entendidos torna mais crítico o problema. Por ser na comunicação que se baseia boa parte de nossas relações afetivas, educação, trabalho e progresso, essa expectativa infundada pode ser fatal.

Casamentos, famílias, trabalho, projetos podem acabar em decepção: porque desejamos a perfeição, não conseguimos produzir o razoável.

Nossa ambiguidade não ajuda: quero amar, mas não quero que o outro descubra o que preciso esconder, e quem sabe ele há de querer me controlar. Penso em ficar só, mas minha natureza pede diálogo e afeto. Uma vida dividida numa boa relação é com certeza uma vida enriquecida. Mas, se eu for traído, se for mal interpretado, se me machucar?

Temos medo de falar, e de calar; terror de não ser ouvidos, e de ser escutados. Quero falar, mas exijo ser inteiramente compreendido, e assim me frustro; prefiro calar, para não assumir a responsabilidade sobre o efeito das minhas palavras, e assim me isolo.

Em todos os relacionamentos – amoroso, familiar, entre amigos, entre mestre e alunos, entre artista e seu público, com cientistas ou lavradores – a comunicação é raiz de muito desencontro. Quando porém floresce, são pétalas de maravilha, pura música (mesmo para quem não distingua uma só nota e desafine).

A transformação pessoal e as mudanças sociais se dão com maior ou menor facilidade, à medida que palavra e silêncios falham ou produzem o desejado efeito. Não por sermos maus, ou incapazes, mas porque até à morte nos conheceremos pouco, pior ainda ao outro, e frequentemente nem nos damos conta disso. Apenas somos infelizes. Se nem sei direito quem sou, como conhecer melhor o outro, meu pai, meu filho, meu parceiro, meu amigo ou meu competidor – e como acertar no que devo dizer ou calar? Como cuidar para que uma relação floresça em vez de nos envenenar?

No relacionamento em que se deseja uma boa parceria, importa muito o aprendizado do equilíbrio entre rotina e mistério, surpresa e monotonia; entender que a banalização corrói o necessário encanto. Que cada um tem sua reserva pessoal impossível de partilhar mesmo no maior amor. É preciso poder rir juntos, não um do outro (Rir de si mesmo, sem sarcasmo, pode ser um grande alívio.)

Sempre seremos dois: ser um só é a ilusória promessa de um romantismo cruel.

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